Madalena com a Flama de fumo - 1640
A Penitente Madalena - 1628-45
A Penitente Madalena - 1638-45
A proporção mediata das mensagens contidas nos três quadros acima remete, logicamente, à cristandade. Mas, artisticamente, apenas a cristandade pode ser a receita do interpretativo bolo cujos ingredientes vão além do que usualmente nele utiliza-se? Georges de La Tour (1593-1652) apresenta em seus quadros ingredientes a mais que se tornam acima da simplicidade da cristandade. "Penitência" pode significar muitas abordagens de estilos interpretativos que não possuem o teor do religiosismo exagerado; na concepção interpretativa acima, este Inominável Ser que vos escreve buscou a análise existencialista, interiorizando os sentidos simbólicos contidos nos quadros, elaborando os terrenos sonoramente abordáveis dos fundamentos que se encontram no mais íntimo das imagens. São quadros que chamam a atenção pela simbólica força, sim; e, também, pela proporcionalidade do conjunto todo dos elementos neles contidos.
La Tour explorou o espaço físico de seus quadros dando uma dimensionalidade construtora de uma forma peculiar, podemos sentir em seus elementos, com nossas atenções voltadas para estes em francos momentos de estética observação, a densidade e o volume de cores, luzes e sombras. Não por acado, La Tour pertence ao gênero da Pintura denominado Tenebrismo, que foi iniciado por Caravaggio, constituindo a famosa abordagem artística magistral do Chiaroscuro, de uma apreciação sensibilizante dos mais refinados gostos artísticos. Ele influenciou diversos outros artistas, um Mestre de misteriosa e desconhecida trajetória existencial que, contemporaneamente, por nós pode ser apreciado apenas em poucod quadros: vinte. Especula-se muitíssimo acerca de sua trajetória e a biografia a seguir está repleta de lacunas, mas vale para que um pouco saibamos daquela.
São apenas vinte quadros, um pouco menos ou mais. Hoje, museus do mundo inteiro os disputam. Algum tempo atrás, essas telas anônimas estavam dispersas e eram atribuídas a Le Nain, a Zurbarán ou a Velásquez. As assinadas, a Maurice Quentin de La Tour ou mesmo a um certo Delatour, pintor desconhecido do século XVII.
Georges de La Tour, até 1914, não existia como pintor. Um trabalho publicado por Hermann Voss, naquele ano, começou a restabelecer a verdade. A partir de então, muitos estudiosos se interessaram pelo "caso" La Tour. Entre outros, François Georges Pariset e Paul Jamot empenharam-se em reunir o que restou de sua obra; em dar a ela uma cronologia, embora hesitante; em dar ao autor uma biografia, embora vaga; em colher uma documentação, embora imprecisa.
Não foi por acaso que a "descoberta" de La Tour e a importância que alcançou tenham sido fruto da ação de críticos e historiadores do Cubismo. Nas vinte telas, ao lado de certo rebuscamento e tibieza de desenho, nota-se uma originalidade poderosa, uma espécie de poesia bastante pessoal, uma vontade imprevista de simplificação dos volumes. E porque isso se aparenta com as preocupações do Cubismo, o singular artista que as criou passou a merecer novas atenções.
Os historiadores e críticos, quando exploram o passado, só podem fazê-lo com os olhos do seu tempo, o que os leva a rever tudo quanto, embora cronologicamente distante, se identifique de alguma forma com a atualidade. Por essa razão, o Impressionismo revalorizou o Barroco, o Surrealismo redescobriu Bosch, e cada movimento artístico exalta, do passado, aquilo que pode se relacionar com o presente.
Músico Cego - 1639
BIOGRAFIA
Georges de La Tour nasceu a 19 de março de 1593, em Vic-sur-Seille, capital do bispado de Metz. Foi, assim, um católico francês numa região onde os camponeses continuavam a falar o alemão, pois era recente a incorporação à França. A importância principal de Metz reside na sua posição geográfica: como passagem obrigatória das rotas entre França e Renânia, Itália e Países Baixos, sofre instabilidade política mas facilita os contatos internacionais.
Há vagas indicações quanto ao seu aprendizado na Pintura. Tudo indica que começou a pintar cedo, como discípulo de Claude Dogoz, obscuro pintor regional. Seus contatos com Alphonse de Rambervilliers, poeta e miniaturista interessado por Pintura, podem ter exercido alguma influência em sua obra. Conhece-se a correspondência trocada entre eles.
Em 1617, La Tour, homem de origem modesta, pois é filho de padeiros, casa-se com Diane Le Nerf, filha de um nobre ligado a Carlos IV, Duque de Lorena. A nova e melhor condição social torna sua atividade artística importante, e em 1620 ele se liga, por quatro anos, a um jovem aluno, Claude Baccarat. Ao longo da carreira de pintor, La Tour terá uma meia dúzia de discípulos que não deixarão traços significativos.
Com a morte do sogro, transfere-se para Luneville, onde logo se inscreve nos registros públicos com o título de burguês da cidade. Pariset, que reconstituiu minuciosamente a vida do artista em Luneville, não encontrando referências em 1621 e 1622, formula a hipótese de uma estada em Paris. Outros autores fazem-no viajar, neste período, à Itália ou aos Países Baixos, na tentativa de justificar uma série de influências; mas são meras conjecturas. Pariset sugere, também, uma viagem anterior a Roma, de 1613 a 1615, onde teria sido discípulo de Guido Reni.
Desta fase, sabe-se com segurança que La Tour ocupava, na Lorena, uma posição de destaque junto à classe dirigente, o que lhe garantia prestígio e conforto material, graças a uma série de encomendas.
Na década de 1630, diversas epidemias afligem e isolam Luneville. Tropas imperiais ocupam Moyenvic, Luís XIII penetra na Lorena – é a guerra de anexação à França, afinal concretizada em 1638, não sem resistência. A atitude de La Tour diante dos fatos é bastante controvertida. Para uns, teria prestado homenagem a Luís XIII, oferecendo-lhe um quadro de São Sebastião, segundo conselhos do próprio Duque de Lorena. Para outros, La Tour teria agido como qualquer tranquilo burguês oportunista, preocupado acima de tudo com sua segurança. Mas, nada se pode afiançar a respeito de um caráter cujos traços são tão imprecisos, numa época tumultuada por lutas pela centralização do poder monárquico.
De qualquer modo, em 1639, La Tour é nomeado pintor e pensionista do rei. Isso significa o reconhecimento oficial de sua pintura que, a partir desse momento, é objeto de encomendas oficiais, entre as quais algumas do governador de Nancy. La Tour está definitivamente incluído entre os homens ilustres de Lorena. A partir de 1646, é possível que tenha contado com a colaboração do filho Étienne na execução de suas telas, fato ao qual não se atribui nenhuma importância especial.
A 30 de janeiro de 1652, morre Georges de La Tour, provavelmente em consequência de uma febre epidêmica que atingiu Luneville e arrebatou, também, sua mulher e um aprendiz.
In: Gênios Da Pintura
Livro III
Abril Cultural
Tapeadora com o ás de diamante - 1635