“Rodando, rodando – Tudo anda em círculos, morte e renascimento, ascensão e queda.
(Anote tudo, eles disseram. Contenha-se, raciocine. Mas como você pode raciocinar sobre o que não tem sentido, ou conter o tempestuoso universo?)
Quando eu saí daquele lugar – suspenso pelo vento faminto – pensei, será que devo encerrar o círculo aqui?
Devo me atirar, no mar imponente, de encontro aos amarelos olhos dos pássaros prateados...
Deixar a carne ser mastigada pelo selvagem dente da terra e os ossos serem transformados em areia por suas ondas infinitas?
Destruído... misturado a todo o resto.
Com certeza, apenas um homem louco voltaria para viver onde o vento não pode alcançá-lo e as ondas não chegam...
Somente um lunático sairia de sua prisão mental e desdenharia a liberdade, para se enterrar de novo neste conturbado labirinto... essa suada masmorra de almas...
Londres.”
John Constantine
in: O Santo Sanguinário – pags. 4/5
Inomináveis Saudações a todos.(Anote tudo, eles disseram. Contenha-se, raciocine. Mas como você pode raciocinar sobre o que não tem sentido, ou conter o tempestuoso universo?)
Quando eu saí daquele lugar – suspenso pelo vento faminto – pensei, será que devo encerrar o círculo aqui?
Devo me atirar, no mar imponente, de encontro aos amarelos olhos dos pássaros prateados...
Deixar a carne ser mastigada pelo selvagem dente da terra e os ossos serem transformados em areia por suas ondas infinitas?
Destruído... misturado a todo o resto.
Com certeza, apenas um homem louco voltaria para viver onde o vento não pode alcançá-lo e as ondas não chegam...
Somente um lunático sairia de sua prisão mental e desdenharia a liberdade, para se enterrar de novo neste conturbado labirinto... essa suada masmorra de almas...
Londres.”
John Constantine
in: O Santo Sanguinário – pags. 4/5
As palavras acima foram ditas por John Constantine ao sair de Ravenscar, onde permanecera por dez anos após os eventos ocorridos na cidade de Newcastle, na qual um trabalho de exorcismo mal sucedido resultou no falecimento de uma menina. As palavras acima, palavras de um homem recém-saído do inferno no qual permaneceu por um longo período de tempo, tecem um panorama de uma alma que Vê verdadeiramente a realidade humana, uma realidade de masmorras, uma realidade de prisões, uma realidade de manicômios a cada esquina. Eu poderia iniciar este tópico como, usualmente, se faz em fóruns nos quais se fala de Hellblazer, pondo uma biografia de Constantine e fazendo mil e um elogios à sua performance nas histórias; mas, após me aprofundar deliciosamente na leitura das cem primeiras edições de Hellblazer, resolvo traçar um pequeno esboço de ensaio acerca do personagem, determinadamente um exemplo verdadeiro do verdadeiro ser humano que cada um de nós deve ser.
Geralmente, se tem a idéia geral de que Constantine seja um simples anárquico ocultista que age contra as tradições sociais e iniciáticas, um rebelde inveterado, um canalha reprovável, um “anti-herói” exclusivamente dotado de emblemáticas “qualidades” que fazem de um personagem um “anti-herói”. Muito se fala, superficialmente, das suas qualidades e defeitos como ocultista, não se dando atenção ao fato de que a Magia não é classificável conforme as notas de rodapé de vários e vários livros que existem pelo mundo a identificarem pormenores de textos aos quais os mesmos fazem referência. Para quem lê quadrinhos como se estes fossem pára-choques de caminhão, a visão de Constantine, do que seja Constantine, do que diga Constantine, do que torna Constantine um Ser completo e mais livre do que muitos da vida real, é a sua insistência, resistência e consistência em existir nas ondas de um mar verdadeiro de possibilidades verdadeiras de ser mais do que ele mesmo é, sem se gabar, no entanto, disso, a todo o momento. Ele gira, gira e gira, caindo e erguendo-se, manipulando e deixando-se manipular, aspirando e respirando o grande ar de seu caminhar, típica atitude que muitos de nós, humanos, viventes em um mundo corrupto, adoecido, podre, escroto e miserável, não temos a mínima coragem de possuir.
Voltemos ao trecho da edição de Hellblazer destacada acima. Londres. A cidade de Londres, Inglaterra. Londres pode ser todas as cidades humanas. Esqueçam agora a cidade inglesa e pensem nas cidades humanas. Todas as cidades humanas apresentam-se nitidamente cegadas e corrompidas, os seres humanos guiando-se nas ruas como máquinas de um grande aglomerado de mentiras e de sonhos estúpidos que se moldam diante da tela das televisões, seja durante as novelas, durante os jornais, durante as séries, durante os filmes, durante os comerciais, durante qualquer coisa que prenda a atenção humana naqueles pedaços de distrações eletrônicas imbecilizantes e incapazes de ditarem novas, melhores e muitíssimo aprimoradas formas de pensamento e de estabelecimento de novos ideiais e realizações. Em grande parte da Internet ocorre o mesmo fenômeno da imbecilização em massa, conteúdos discutíveis, imagens discutíveis e atos discutíveis, representando virtualmente o lixo social da Humanidade, fazem o seu papel de alienador de mentes, de corpos e de corações fracos. Venenos a disposição de todos. Venenos nos Eus de todos. Venenos corrompedores. Venenos contaminantes de outros Eus. Venenos em série para todos os mais fracos Eus. E a grande máquina que move as cidades, a máquina fomentadora de violências, enganos, ilusões e imbecilidades, vai crescendo cada vez mais forte, cada vez mais furiosa, cada vez mais realizadora do seu papel de enganar e cegar as mentes que pode enganar e cegar.
Imaginem, então, um homem que caminhe entre as entrelinhas das sombras e capte as Verdades ocultadas em cada espaço corrompido e a ser corompido pela máquina que a Humanidade mesma moldou para si, uma máquina cada vez mais aperfeiçoada. Imaginem, então, um homem incapaz de olhar para trás ou de abrir a tampa do seu poço interior para visualizar todos os erros e crimes que cometeu, consciente e inconscientemente, pacifica e violentamente, fisica e mentalmente. Imaginem tal homem, mesmo delirante, mesmo muito delirante em muitos dos mais variados e possíveis e impossíveis momentos delirantes, acendendo os cigarros da Verdadeira Verdade e desvelando todos os mistérios da Humanidade que adormece nos braços de suas próprias bostas acumuladas em meio a todos os caminhos. Imaginem o homem, que não é herói, que não é vilão, que não é anti-herói, que é, inominavelmente, UM HOMEM, UM SER DO GÊNERO HUMANO, UM SER HUMANO. Afora o mundo da ficção, tal homem, no mundo real, é possível, sumaria e impecavelmente possível. No mundo da ficção, tal homem, tal homem dotado assim de qualidades mais puras, humanamente consideradas, é John Constantine.
Estou errado?
Pelas suas convicções pessoais, estou; pelas minhas, não.
Estou louco?
Pelas suas convenções sociais, estou; pelas minhas convenções pessoais, não.
John Constantine, exemplo de um Verdadeiro Homem possível e plausível?
Quem o seria? Adolf Hitler?
John Constantine, O Verdadeiro Homem?
Quem o seria? O Maníaco Do Parque?
John Constantine?
John Wayne é que não seria, meu amigo...
John Constantine. Sim, amigo, John Constantine. Sim, amiga, John Constantine. Não leio as histórias dele como se estivesse me divertindo, eu estudo, eu analiso, eu tudo sintetizo. Para mim, ele não é um anti-herói, um dia já foi. Para mim, ele não é um herói, às vezes parece ser. Para mim, ele não é um vilão, sempre isto ele transparece que verdadeiramente é. Afora as nomeações e as classificações, retiro o sobretudo que envolve o meu olhar e vejo John Constantine como o que todo ser humano, Verdadeiro Ser Humano, deve ser: aquele que mostra o dedo para o sistema opressor bem diante dos olhos de todos; aquele que mostra o dedo para as religiões enganadoras de espíritos, corpos e mentes bem diante de cada portão; aquele que mostra o dedo para os preconceitos humanos nos corações de todos bem diante de nossos pensamentos; aquele que mostra o dedo para os corruptores do mundo bem diante dos nossos conhecimentos efetuando o controle de cargos políticos; aquele que mostra o dedo para todas as autoridades mesquinhas e patrocinadoras das indústrias opressoras da pouplação, autoridades civis, autoridades fardadas; aquele que mostra o dedo para as falsidades alienantes perpetuadas pelas mídia mundial, enaltecedora das Paris e das Britneys e das Lyndsays da vida; aquele que mostra o dedo para O Ontem; aquele que mostra o dedo para O Hoje; aquele que mostra o dedo para O Amanhã; aquele que mostra o dedo para os acomodados; aquele que mostra o dedo para os mornos; aquele que mostra o dedo para os fracos; aquele que mostra o dedo para VOCÊ AÍ MESMO QUE ACEITA TODA DOMINAÇÃO ALIENANTE E FICA COM O RABO A ESQUENTAR A CADEIRA E A NÃO FAZER NADA, NADA E NADA, MESMO, CONTRA TUDO QUE TE FAZ PENSAR QUE VOCÊ É FELIZ, VERDADEIRAMENTE FELIZ!!!
As anarquias de Constantine e dos Constantines do mundo é uma anarquia construtiva. O deboche no olhar e o erguer do dedo, em atos sempre claros, em atos raramente obscuros, em palavras pequenas, em palavras grandes, em pequenas palavras, em grandes palavras, são os derrubadores das masmorras de almas presentes em todas as cidades mundiais. Masmorras de almas como as de Londres de Constantine existem em nosso mundo dito como real. Mundo verdadeiramente real seria de uma anarquia construtiva que detonasse toda deprimente queda de valores e de crenças puras em ideais de elevação existencial. Este texto é para os não-Constantines do mundo, os escravizados de dedos quebrados e mentes e corpos e almas encarceradas em uma máquina opressora de ilusões que giram em torno de outras ilusões a mais. Os não-Constantines, a maioria humana, refém e escrava de ditames estranhos à sua Verdadeira Natureza, inclassificável, indefinível, inominável...
Os Constantines do mundo são raros.
Os Constantines do mundo são poucos.
Os Constantines do mundo são desconhecidos.
Os Constantines do mundo são silenciosos.
Tal qual John Constantine, o personagem dos quadrinhos mais real do que muitos seres de carne e osso que se julgam reais apenas por comerem, beberem, foderem e procriarem, os Constantines do mundo encobrem-se para não serem atingidos pelas luzes destrutivas das massas de humanas enganações e mostram o dedo aos vários modelos de imbecilização pelo mundo correntes e ativos...
São eles, mais livres.
São eles verdadeiramente felizes.
Anárquicos e felizes como o anárquico e feliz John Contantine.
O deboche no rosto...
O dedo erguido contra todo falso rosto.
Saudações Inomináveis a todos.